Momento Pipoca: Vicky Cristina Barcelona
Eu devia ter uns 10 anos quando eu e minha mãe fomos ao cinema ver Zelig, de Woody Allen, com meu pai. Lá pela metade do filme ela não aguentou (eu, então, nem se fala) e “pediu pra sair”. Esperamos lá fora, comendo uma pipoca em frente ao Cine Capitólio, vendo a vida passar pela Av. Borges de Medeiros, numa tarde ensolarada de sábado. Talvez esse episódio esteja na origem da minha implicância com ele (Woody, não meu pai). Enquanto a crítica especializada o incensava incondicionalmente e meu pai fazia coro, sempre achei os filmes de Woody Allen um porre. Talvez devesse ter assistido mais. Talvez devesse ter visto alguns novamente, coisa que faço com freqüência. Um espaço de 10 anos entre uma “sessão” e outra pode mudar totalmente a compreensão de um filme, aprendi isso.
Penélope Cruz rouba a cena, como a tresloucada María Elena.
O destaque em Vicky Cristina Barcelona vai, sem dúvida, para Penélope Cruz. No auge do talento e da beleza, que sobrevive à degradação do personagem e seu figurino desleixado, a espanhola rouba a cena na pele da tresloucada e auto-destrutiva María Elena, ex (pero no mucho) mulher do pintor e “bon vivant” Juan Antonio (Bardem, também competente). Ambos enveredam por divertidíssimas e confusas discussões, oscilando entre o inglês e o espanhol, as quais não raro terminam em agressão, às vezes física. Juan Antonio, aliás, explica, no início do filme, enquanto decide qual das duas princesinhas nova-iorquinas irá seduzir primeiro, que o motivo da separação foi justamente a doida tê-lo esfaqueado nas costas.
As duas “turistas” que dão título ao filme, e as diferenças entre elas, também preenchem bem a narrativa e valem o ingresso. Vicky (Rebecca Hall, grata surpresa) é uma caretona de carteirinha, de casamento marcado com um “yuppie” mais careta ainda, embora ela seja também um vulcão de sensualidade reprimida. Já Cristina (Johansson) é a porra-louca, espontânea, desencanada, artista, aspirante a fotógrafa, disposta a experimentar o que lhe passar pela cabeça ou o que lhe colocarem na frente. Como é de se imaginar, Cristina se sentrirá em casa em Barcelona, pintada por Allen como uma espécie de paraíso dos “free thinkers”, enquanto a travada Vicky, às voltas com seu pomposo “mestrado em identidade catalã”, deixa transparecer uma certa inveja pelo desprendimento da amiga e logo se verá em uma sinuca de bico, quando percebe sua vida perfeitinha e milimetricamente planejada levando uma bela e inesperada rasteira.
Cristina (Johansson), ciceroneada pelo "bon vivant" Juan Antonio (Bardem) e totalmente à vontade entre os "free thinkers" de Barcelona.
Alguns coadjuvantes de peso, como Patricia Clarkson (a anfitriã das meninas), completam o escrete de Woody Allen para esta pérola de seu “segundo auge”, como está sendo chamada sua fase atual. Eu, como fã da ”automobilia” clássica italiana, não pude deixar de admirar também a bela Alfa-Romeo Spider vermelha, provavelmente 1968, talvez uma alusão ou homenagem ao clássico A primeira Noite de Um Homem. Bem, contar mais é estragar a surpresa. Fica aqui a dica desse que já é o Woody Allen de maior sucesso na semana de estréia no Brasil em todos os tempos.